Piquenique no ribeirão
Não sei onde foi que a
Emília viu que um dos passatempos da nobreza de antigamente era passear pelo
campo. Marquesa que era, a boneca resolveu imitar. Convidou Narizinho, o
Visconde, e Rabicó para ir junto, mas estavam todos muito ocupados. Narizinho escrevia
sua tese de mestrado, o Visconde estudava informática e Rabicó havia encontrado
uma abóbora esquecida.
– Besteira! – ela emburrou.
– Não vai ser por falta de séquito que vou ficar em casa!
E saiu de bolsa de
plástico verde e óculos de papel celofane azul para proteger os olhinhos de
retrós preto.
Foi até o pé de ingá
junto do ribeirão e uma vez aí, esbaldou-se! Puxou da bolsa tudo quanto era
coisa: toalha alvíssima (um guardanapo de papel), leque de plumas (meio
espanador que afanara da despensa), e outros eteceteras. Deitou-se ali, ficou
se abanando e filosofando, mas logo perdeu a paciência. Revirou para um lado,
revirou para o outro e por fim resolveu apelar para o último recurso: tirou da
bolsa o tubo de protetor solar que Vó Benta comprara no verão anterior e besuntou-se
com o que restava do creme. Ficou melecada, que pano não é pele, e de melecada,
ficou amolada.
– Muito chato esse piquenique.
Vou embora!
Mas aí torceu o nariz.
Ia levar tudo aquilo de volta? Amolação das amolações! Pra que carregar? Já
estava tudo usado mesmo! Resolveu jogar tudo no riacho. Toalha de papel, meio
espanador, tubo de protetor solar, sacola de plástico... tudo! Feito o carreto,
bateu uma mão contra a outra e foi voltando, voltando...
Aí, pimba! Tropeçou numa pedra que não viu, revirou o maior
tombo e tchimbum! Foi parar no ribeirão. Quando
deu por si, estava no Palácio-das-Águas-Claras, casa de tantos amigos queridos.
– Boa idéia, essa
minha! Vou visitar Doutor Caramujo e ver se ele tem um remédio para a arteirite da Vóvo! – resolveu.
Queria dizer
“artrite”, é claro, mas sabe como é a Emília!
Entrou palácio à
dentro, não encontrou ninguém. Estava deserto. Mas de tanto andar, deu com o
tubo de protetor solar que tinha jogado n’água. O malandro estava no trono do
Príncipe, coroado com um pneu de bicicleta. O tubo inclinou-se sobre ela,
ameaçador e perguntou:
– O que foi que você
trouxe para mim?
Emília ficou
boquiaberta com aquela exigência.
– Trazer? Como assim,
“trazer”? Quando eu vinha visitar o Príncipe Escamado sempre me regalavam
muitos presentes, ouviu? Vestidos, um primor! Aqui eu sou visita. Chame o
Doutor Caramujo e você vai ver só!
– Aqui não tem mais
príncipe, nem Doutor Caramujo, nem aquele sapo do brejo que todo mundo chamava
de “major”, o tal do Major Agarra.
– E cadê eles? Viraram
comida de tubarão? – ela perguntou curiosa.
– Não sei, não me
interessa e tenho raiva de quem sabe. Quando a gente chegou, eles fugiram, o
tubarão incluído! – desprezou o tubo plástico.
– “A gente”, quem?
– Eu, o Rei Tubo, a
primeira-dama Sacolinha Sem Fim, meu primeiro ministro Papel Molhado e o nosso general
Espana-Encrenqueiros! Vamos abrir um condomínio de luxo só para lixo urbano,
expulsar todos os peixes e dominar os oceanos.
E deu uma risada
maligna, hahahaha! Emília pensou depressa “eu vou
é puxar o meu carro!” e mais depressa ainda se obedeceu. Antes de conhecer o
ministro e o general, correu ribeirão à fora.
Uma vez na margem, a
bonequinha ficou pensando. Ahá, mas ela não ia ser Emília se não desse o troco.
Não ia ser um tubo de plástico que ela tinha
jogado na água que ia levar a melhor, não mesmo! Nem uma toalhinha de papel
miserenta, ou um espanador pela metade, ou aquela sacolinha besta. Pegou um
galho e pescou todos eles do fundo do ribeirão, inclusive aquele pneu bocó que
o pseudo-rei tinha usado como coroa. Feito isso, levou-os todos de volta ao
sítio e uma vez lá resolveu cooperar com uma mania que Dona Benta tinha
inventado e que ela tinha achado uma besteira das maiores, uma tal de separação
de lixo. Jogou o primeiro-ministro, o general, o “rei”, sua coroa e sua
primeira-dama na lata dos inorgânicos.
– Conheceu, papudo? –
gritou para dentro da lata.
Ajeitou os óculos de
sol no nariz e saiu batendo as mãozinhas, satisfeita da vida.
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